13/08/2015 - 19:01h
Quando o cirurgião Rafael Coelho foi para os Estados Unidos trabalhar e se especializar no Florida Hospital, instituição de referência na técnica de cirurgia robótica, os primeiros robôs ainda estavam chegando ao Brasil. Ele já era formado pela Faculdade de Medicina da USP, com residência em cirurgia-geral e em urologia. A especialização mudou completamente sua prática profissional. Tanto que hoje ele quase não atua mais em cirurgia-geral, só robótica. “Quem entrar no mercado daqui a dez ou quinze anos, no Brasil, vai fazer cirurgia robótica ou não vai fazer cirurgia nenhuma. Nos Estados Unidos, é quase isso. Os procedimentos em urologia, ginecologia e do aparelho digestivo são predominantemente feitos por meio de cirurgia robótica. As três áreas usam, de rotina, o robô. Para ter uma ideia, nos EUA existem 3 000 robôs. Aqui são quinze.”
Na época em que Coelho foi estudar no exterior, perto de 2008, não havia centros de treinamento específicos e adequados para que os residentes praticassem cirurgia robótica no Brasil. “Trabalhei no Florida Hospital por três anos fazendo só cirurgia robótica. Eu já era urologista, mas não tinha aprendido nada de robótica como residente. Lá a gente fazia mais de 1 000 cirurgias de próstata por ano. Depois de três anos, eu voltei para São Paulo e inicialmente trabalhava só no Einstein. Agora eu trabalho em todos os hospitais da cidade que têm o robô.”
Ligado à Universidade de São Paulo, o cirurgião atua também no Icesp (Instituto do Câncer no Estado de São Paulo), onde há um robô disponível para cirurgia nas pesquisas do Ministério da Saúde. Uma delas é justamente o primeiro estudo randomizado comparando a técnica tradicional e a robótica em cirurgia da próstata. Ainda que as cirurgias robóticas não sejam liberadas para todos os pacientes do SUS, há casos de doentes que aceitam participar do estudo e podem eventualmente ser operados com essa técnica. Esse estudo e a existência do robô em um hospital do SUS pode representar uma enorme transformação na formação dos residentes brasileiro, em cirurgia robótica.
“O ideal para o médico ter uma formação mais ampla, ainda hoje, é sair do Brasil. Agora, porém, como já há robôs em hospitais públicos, a tendência é que os residentes passem a fazer os procedimentos. Ainda não é a realidade, mas creio que nos próximos anos passe a ser. No Icesp, quando acabarmos a pesquisa, provavelmente os residentes começarão a participar, se a gente tiver verba para isso. O estudo deve acabar em um ano e aí é questão de verba do Icesp e situação do país. Potencialmente, sim, os residentes do Icesp vão começar a aprender”.
Evolução – A cirurgia robótica é uma espécie de evolução da laparoscopia, uma sofisticação. Ela também opera por meio de incisões pequenas. É um procedimento menos invasivo do que as cirurgias convencionais ou abertas. Sangra e dói menos e a recuperação no pós-operatório é mais rápida. Em relação a própria laparoscopia, a principal diferença é a aplicação em casos mais complexos. “Em cada área haverá ainda uma vantagem específica. Em urologia, por exemplo, especificamente no caso do câncer de próstata, há vantagens outras, como potencialmente melhorar a recuperação do controle urinário e da função erétil”, explica Coelho.
A robótica é mais indicada para cirurgias delicadas, dentro de alguma cavidade em que é preciso dar ponto, em espaços muito pequenos ou em que é necessário obter um aumento muito grande de imagem. “Tem sido feita a cirurgia da apneia do sono, por exemplo, em que a correção é feita na base da língua, em um espaço muito pequeno. Antes, isso teria de ser feito desarticulando a mandíbula. Cirurgia de abdômen, que na aberta seria feito um corte grande, hoje não precisa disso”, conta Carlo Passerotti, coordenador do Centro de Cirurgia Robótica do Hospital Oswaldo Cruz.
A cirurgia – O robô não opera sozinho. É o médico quem comanda os procedimentos. Na mesa, os braços do equipamento são conectados ao paciente por meio de incisões (furinhos). Sentado em um console ao lado, na mesma sala, o cirurgião usa um tipo de joystick e controla os movimentos, que são replicados pelo robô dentro do paciente. Em geral, ao lado do paciente estão ainda um auxiliar, um instrumentador e um anestesista. O médico faz a cirurgia sentado, numa posição ergonômica que permite encarar procedimentos bastante longos, se necessário.
A visão tridimensional é aumentada em quinze vezes e segundo os especialistas isso mais do que compensa a ausência de sensação tátil. “O retorno visual é extremamente exacerbado. Se me perguntarem se eu quero um robô com feedback tátil eu digo que para mim não vai ajudar em nada”, afirma Coelho. De acordo com Passerotti, enxerga-se melhor na cirurgia robótica do que na aberta. “A imagem é muito aumentada e tridimensional. A sensação é de estar dentro do paciente, com todos os movimentos da mão melhorados e mais delicados.”
Passerotti recomenda que os futuros cirurgiões invistam no aprendizado da técnica robótica. “O número de cirurgias robóticas no Brasil tem aumentado em média de 15 a 20% ao ano. A tendência é aumentar o número de equipamentos, e isso já está chegando em alguns hospitais do SUS. Tem em Barretos, no Icesp e no Inca. Além disso, agora o paciente tem mais informação e tem procurado mais. Os convênios ainda não pagam a cirurgia robótica completamente, mas pagam as cirurgias que eles autorizam, aberta ou por laparoscopia, e o paciente geralmente paga a diferença. Com isso, fica mais viável. Se nas primeiras cirurgias o preço era 35 ou 40 mil reais, agora está quase a metade disso. Com o dólar subindo, a tendência é subir um pouco....”
“Quem entrar no mercado daqui a dez ou quinze anos, no Brasil, vai fazer cirurgia robótica ou não vai fazer cirurgia nenhuma”, segundo especialista
O equipamento ainda é todo importado de um único fabricante (Intuitive Surgical). O robô se chama Da Vinci e todos os modelos no Brasil têm alta definição de imagem, já são topo de linha. Para operar com um robô é preciso ser médico, cirurgião, e ter uma especialidade principal. Quem já é médico especializado em cirurgia-geral, em urologia ou ginecologia, por exemplo, vai então fazer uma sub-especialização em cirurgia robótica na sua área.
Capacitação – A cirurgia robótica não é, a rigor, uma especialidade médica, mas sim um instrumento, uma técnica diferente, um material que auxilia a fazer a cirurgia. Só que é uma técnica cara. O equipamento custa 3 milhões de dólares e tem um custo de manutenção alto. “O médico precisa ter um treinamento em que consiga ter casos e clientes e um certo volume de cirurgia. A experiência do cirurgião é a coisa mais importante que tem. Se você operar com alguém que tenha menos de 250 cirurgias robóticas em experiência, o resultado é pior. Se operar com quem tem mais de 250, tende a ser melhor. A técnica e os resultados são completamente diferentes na robótica, na aberta e na laparoscópica, daí ser fundamental a experiência específica”, explica Passerotti.
No Oswaldo Cruz, a Faculdade de Educação em Ciências da Saúde oferece um curso de especialização em cirurgia robótica em urologia. Coordenado por Passerotti, o treinamento é destinado a cirurgiões urológicos com título de especialista AMB ou residência médica em programas credenciados pela CNRM/MEC. O aluno acompanha cirurgias e aprende a operar. “Ele vai assistindo cirurgias e aprendendo devagar, passo a passo. A ideia é não deixar o cirurgião começar a fazer uma cirurgia do começo, inteira, sem ter experiência. Isso chegou a acontecer no Brasil no princípio e ocorreram vários acidentes, que não podem acontecer. Ele vai fazendo operações mais simples, vai evoluindo, adquirindo autonomia até que uma hora vai fazer a cirurgia inteira.”
O especialista recomenda a procura por centros especializados, no Brasil ou no exterior, em que se possa acompanhar a cirurgia e eventualmente realiza-la. “Quem puder parar um pouco e acompanhar uma pessoa de grande experiência fazendo é o mais recomendado. É importante não fechar o olho para tecnologia. Ela só vai evoluir.”
A tendência agora é a cirurgia robótica chegar com mais força aos hospitais do SUS. Quando chegar, os residentes serão treinados. “Normalmente, existe um contrato social em que o doente que vai para o SUS é atendido pelo residente. Quem os atende na maior parte dos locais são os residentes em fase de treinamento. Quando ele é operado, o residente ajuda na cirurgia, então vão ter centros no SUS que ajudarão na capacitação”, conclui Passerotti.
Futuro – Além das dificuldades de fazer estudos randomizados como o do Icesp e de criar mais condições para que os residentes aprendam a técnica no Brasil, outro desafio da área de cirurgia robótica é o custo. “Hoje em dia há esse monopólio, em que só existe uma empresa que faz os robôs e eles cobram o que querem. Todas as outras pesquisas dessa área são no sentido de surgir novas plataforma para concorrer e tentar diminuir um pouco o preço. Basicamente cirurgia robótica permite que você faça cirurgias complexas de uma maneira minimamente invasiva. Rompida a barreira do custo, que é realmente elevado, não vai sobrar na minha opinião, cirurgia que não seja feita por robótica. Vão surgir outros robôs, concorrentes, é a perspectiva do futuro, mas todas as cirurgias, de qualquer área, vão acabar sendo feitas por cirurgia robótica”, avalia Rafael Coelho.
A cirurgia aberta provavelmente nunca vai ser abandonada, porque há os casos específicos em que a robótica não pode ser aplicada. Mas sua indicação deve diminuir consideravelmente. No futuro, portanto, os procedimentos robóticos vão predominar. E ainda que atualmente sejam mais caros e menos comuns, a aposta é que no longo prazo a sofisticação, que gera menos complicações e menos tempo de internação, contribua para romper a barreira do custo e ampliar seu acesso. Aos futuros cirurgiões a recomendação é estudar. No joystick.
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