15/06/2015 - 17:28h
Edward Snowden é o programador americano que vive escondido na Rússia, por conta de ter revelado ao mundo a existência do programa de espionagem mundial patrocinado pela Casa Branca.
Confesso a vocês que leio tudo sobre ele, acompanho todas as notícias e fico na expectativa de um final feliz para essa história, apenas porque não consigo visualizar nesse moço nenhuma traição, nenhum grave delito, nenhum malfeito cuja gravidade tenha colocado em risco a segurança da nação. Ou será que os governos do mundo não têm, cada um, o seu mini programa de espionagem, ou será que todas as grandes empresas multinacionais de serviços on line não têm, cada uma, o seu programa de espionagem, ou será que somos tão idiotas a ponto de acreditar que não estamos sendo espionados nesse mundo conectado por cabos, fibras ópticas, clics, câmeras, claquete e ação? Eu que não. Acredito firmemente que somos espionados do momento em que ligamos a máquina, e nos oferecemos como material para a espionagem, até a hora em que, finalmente, desligamos a máquina e vamos dormir.
Assim sendo, por que a delação desse moço foi tão propalada, e teve um impacto tão forte sobre a opinião pública mundial? Por que se fez e se faz tanto alarde e se propõem mecanismos de punição tão severos para um jovem cidadão que só falou o que sabia antes de alcançar maturidade para avaliar se valia a pena falar, ou não falar?
O governo americano admitiu a existência do programa. Admitindo a existência do programa, ficou patente que Edward Snowden não cometeu perjúrio e disse apenas a verdade. Se Edward falou a verdade, não deveria merecer castigo.
Quem em sã consciência pode ser punido por falar a verdade? Os que, por força da profissão detêm segredos considerados de segurança máxima para a nação.
Ora, não estamos em guerra e portanto, a delação de Snowden, pode, quando muito, ser classificada como uma indiscrição, uma falha de inconsistência moral, talvez causada pela imaturidade. Embora dominando o mundo dos bytes, Edward, não conseguiu dominar a própria língua.
Os governos humanos são tão humanos que ainda não aprenderam esta lição: O jovem pode ter um talento incrível para a ciência da computação, pode ser fera no campo da cibernética, pode invadir sistemas operacionais e bisbilhotar a vida alheia com facilidade, mas não é maduro para guardar segredos, e mantê-los a salvo de olhos, narizes, ouvidos e bocas indiscretas. Aliás, há uma fase da vida em que o jovem imagina que anunciar um segredo lhe confere mais poder do que guardá-lo. E foi o que imaginou Edward Snowden, um inocente inútil, nesse mundo de tantas espionagens úteis.
Eu bem que gostei de ver a nação mais poderosa da terra ser apanhada em flagrante delito. Nessa, tornamo-nos todos irmãos. Os gringos também lavam roupa suja dentro das suas casas. Também adoram uma fofoca. Também escutam atrás das portas. Também olham por buracos na fechadura. Também sentem medo de ratos. Também armam ratoeiras para matar os ratos. Também colocam espantalhos para afugentar as aves no céu. Também acreditam em discos voadores. Também usam binóculos para guardar as fronteiras. Também morrem do coração. Também ficam nus. Também. Eles também.
Grande coisa! O mundo inteiro faz isso. Snowden cometeu – apenas - a insanidade de confessar ao mundo: “yes, nós comemos bananas”, quando o mundo inteiro come.
O que o mundo ganhou com isso? O mundo ganhou a certeza que ainda não tinha, embora desconfiasse. Será um lugar mais seguro, depois disso? Será um lugar de total liberdade? Poderemos praticar os nossos pequenos delitos, a salvo de olhares indiscretos? Poderemos ficar nus, sem sermos observados? Poderemos planejar ações benignas ou malignas, sem correr o risco de sermos identificados?
A resposta é um flagrante não! Estamos no mesmo lugar em que nos encontrávamos quando o programador decidiu botar a boca no trombone, só para espalhar aos quatro cantos o que o mundo já desconfiava, mas esquecia.
Esquecemos tudo aquilo que nos convém. Entre a privacidade que nos remete ao mundo antes do advento da fibra óptica, e a bisbilhotagem tecnológica, escolhemos o Facebook, o Twitter, o Whatsaap, o Skype, o celular, e que se dane a privacidade.
E o que Snowder ganhou com isso? No momento, esse moço colhe os louros da coragem de se dizer macaco. Reside em local ignorado, mas embolsa 10 mil dólares a cada palestra que profere mundo afora. O que não deve ser muito mundo. O moço nunca sabe se, ao ampliar o tamanho do seu mundo, será ou não deportado. Pode acontecer, caso a autoridade máxima do país decida colaborar com o governo americano. Por isso, hoje ele é um apátrida: um homem sem pátria. Como americano é persona “non grata” e não pode retornar ao país. Se o fizer, será preso e julgado por traição. Na Rússia, tem a permanência garantida até 2016 e os 21 países aos quais solicitou asilo político não responderam nada até agora.
Sinto um profundo pesar quando penso em tudo o que ele perdeu ao se posicionar a favor da transparência e da verdade, sem avaliar que, ao fazê-lo, estaria se posicionando na contra mão de todos os setores da sociedade organizada, toda ela adepta de meios escusos para atingir os seus fins, toda ela acostumada a espionar, a roubar as nossas informações, a investigar as nossas mediocridades, e enquanto pratica tais delitos, hipocritamente oferece os detalhes da sua “política de proteção à privacidade”, pedindo que leiamos, concordemos, assinemos, finjamos acreditar e toquemos a vida para frente.
-Vocês querem ou não querem? É o que temos para hoje!
-Yes, nós queremos!
A mãe dos brasileiros bem que podia adotar mais um filhinho necessitado. Eu que sou macaca velha, embora não goste de banana, lhe perguntaria: - Meu filho, o que você ganhou com isso? Espiões sempre existirão entre nós!
Provocações Filosóficas e Escritos de Ana Maria Ribas Bernardelli
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