27/04/2015 - 10:01h
Quantos brasileiros deveriam estudar em Harvard? "A resposta é simples: mais", afirma o vice-reitor de Relações Internacionais da universidade, Jorge Dominguez, de 70 anos, em entrevista ao Estado. "Os alunos brasileiros têm feito um trabalho extraordinário", acrescenta ele, Professor de política e história da América Latina.
Segundo Dominguez, a formação acadêmica fora do País é um caminho para melhorar a internacionalização do ensino superior do País e também preparar profissionais para o período pós-crise econômica.
Expansão. Professor Jorge Dominguez elogia Ciência sem Fronteiras e prevê a necessidade de criar programas similares para outras áreas
Temos 104 estudantes vindos do Brasil em Harvard, o maior número em toda a história. É a primeira vez que ultrapassamos o patamar de 100, o que faz com o País já esteja entre as dez nações que mais enviaram alunos a Harvard no ano. É verdade que há menos brasileiros do que chineses ou indianos, mas esses países são maiores do que o Brasil. O modo como penso isso é que há mais brasileiros em Harvard do que pessoas do Japão, um país desenvolvido, ou da França, por exemplo. O Brasil está na frente da maioria dos países europeus.
Mas o Brasil tem menos estudantes em Harvard do que Índia e China, mesmo proporcionalmente ao tamanho desses países.
Se perguntamos quantos brasileiros devem estudar em Harvard, a resposta é simples: mais. Estou bastante feliz com o aumento de brasileiros nos últimos anos, que foi bastante expressivo. Mas queremos ainda mais.
Qual é o interesse de Harvard de ter mais estudantes brasileiros?
A resposta também é simples: eles são bons. Os alunos brasileiros que recebemos, em diferentes partes da universidade, têm feito um trabalho extraordinário e estudam muito. Esses estudantes contribuem com suas próprias experiências para diversas discussões em Harvard, em áreas como engenharia, saúde pública e economia.
Vivemos um período de crise financeira no Brasil. O senhor pensa que mandar estudantes para o exterior pode melhorar esse cenário?
Quando há uma recessão econômica nos Estados Unidos, o que pensamos é que mais pessoas escolhem uma universidade para ganhar um diploma. Eles podem ser fantásticos, trabalhadores e inteligentes, mas seus Empregos ficam mais frustrantes porque a economia está com problemas. Em vez de bater minha cabeça contra a parede ou ficar nervoso, posso tentar uma pós-graduação. Com a crise, talvez fique mais atrativo para que um aluno brasileiro tente vir para Harvard. Com as parcerias entre o governo brasileiro e a universidade, há possibilidades de auxílio financeiro para alunos de mestrado e doutorado. Talvez como um efeito indireto da crise, o número de bons candidatos do Brasil até aumente. Vamos saber em alguns anos. É uma questão de usar o tempo e se preparar para a próxima fase, quando houver recuperação financeira do País.
Como o senhor avalia a internacionalização do ensino superior brasileiro?
O Brasil precisa entender que o futuro do País depende de um esforço de enviar mais alunos para o exterior. Quando voltarem, essas pessoas serão mais eficientes em qualquer profissão que seguirem. É por isso que o Ciência sem Fronteiras (programa federal que envia alunos de graduação e pós para fora do País) é um excelente programa para formar líderes na pesquisa científica e nas ciências aplicadas. Com a formação de uma rede de contatos científica ao redor do mundo, eles serão mais produtivos, para o Brasil e para eles próprios, quando tiverem 35 ou 40 anos. É um investimento para o futuro.
Como o Brasil pode desenvolver ainda mais sua internacionalização?
O Ciência sem Fronteiras é um bom programa. Uma questão nos próximos anos para o governo brasileiro e todos os partidos políticos é: quando vamos criar outros programas desse tipo para mandar para o exterior pessoas de outras áreas, como da economia, ciências sociais ou da mídia? Certamente é caro, mas é necessário começar a pensar no futuro, quando o País tiver saído da crise. É necessário pensar em objetivos ainda mais amplos. Outro esforço, que tem sido feito pelo Brasil por meio do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, órgão ligado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação), é incrementar o número de pesquisadores e instituições do País que trabalham com pesquisadores e Universidades do exterior para objetivos comuns. Já houve um bom avanço, mas é um processo difícil.
Nos últimos anos, algumas das universidades públicas brasileiras têm sofrido graves problemas orçamentários. Alguns exemplos são a Universidade de São Paulo (USP) e a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). O senhor acredita que é difícil manter instituições de ensino superior apenas com verba pública?
Harvard é uma universidade particular. Parte dos recursos, principalmente para pesquisa científica, vem da agência federal americana. Isso é ofertado em concorrência ampla, em que nossos cientistas fazem propostas e ganham a verba. Mas o financiamento das universidades vem de recursos privados. Quando algumas universidades públicas da Califórnia, como Berkeley, Los Angeles e San Diego, tiveram uma severa crise, perceberam que não poderiam depender apenas de dinheiro público. Com isso, o processo de transição começou. Universidades públicas, em todo o mundo, estarão melhor servidas se diversificarem suas possibilidades de financiamento. Isso significa negociar com o setor privado. Mas também não é possível apenas depender da cobrança de matrículas e mensalidades. É uma das opções, mas apostar nisso significa excluir pessoas de famílias pobres e de classe média. É necessário melhorar o recebimento de recursos da iniciativa privada. Essa é uma das medidas que a maioria das universidades públicas, na maior parte dos países, ainda não fez.
Na comunidade acadêmica brasileira há receio de conflito de interesses ao receber recursos privados. Como o senhor avalia essa crítica?
Entra a questão: como podemos definir procedimentos para que isso não aconteça? Um dos meus trabalhos é decidir que tipo de doação nós não aceitamos. Justamente pelos motivos que você aponta. Alguns doadores querem dizer à universidade como tirar conclusões antes mesmo das pesquisas serem feitas. Essas propostas nós rejeitamos.
Quem é?
Jorge Dominguez, de 70 anos, é vice-reitor de Relações Internacionais de Harvard e professor de política e história latino-americana da universidade. É autor de livros e pesquisas nessa área, com publicações que abordam a democracia na região.
Negócios. Dos 104 brasileiros que estudam hoje na universidade, a maioria (25) faz pós-graduação na área de negócios. Aparecem, na sequência, pesquisas em Saúde Pública (20), Políticas Públicas (13) e cursos multidisciplinares (13). Na graduação, o País tem 14 representantes.
Crescimento. Nos últimos anos, o total de estudantes brasileiros teve um salto de 70%. No ano 2006/2007, eram 61 estudantes. Somente do ano letivo anterior (2013/2014) para este (2014/2015), o aumento registrado foi de 28%.
Internacional. O Brasil é o 10º país que mais envia alunos para Harvard. China, Canadá e Coreia do Sul são os três primeiros dessa lista. Estão na frente do Brasil nações emergentes, como Índia (4º) e México (9º).
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