25/11/2013 - 05:45h
Cantar espanta os males, aproveite!
Ilustração sobre fotos de Ivan Shupikov
A voz, única e intransferível, é a sua impressão digital. Ela desnuda traços de personalidade. O tom, a colocação e o volume podem ser mais reveladores que o conteúdo de um discurso. "Existe um rumo natural da voz, que acaba distorcido", afirma a psiquiatra Ângela Miranda. Aguce os ouvidos e você perceberá nuanças nas vozes das pessoas à sua volta, que dizem respeito ao que elas sentem no momento em que falam. Alguns falam alto demais, outros têm uma conversa empolada. Uns quase sussurram, outros mal articulam as palavras. E é comum pessoas falarem em tons diferentes dependendo da situações. Observar cuidadosamente o modo de falar das pessoas desenvolve a capacidade de ouvir - princípio básico para quem deseja entrar no universo do canto.
O passo seguinte, ainda mais fascinante, é voltar o ouvido para a própria voz. Ela tem muito a lhe ensinar sobre você mesmo. Qual a cara da sua voz quando você está triste, nervoso ou surpreso? Descobrir o seu verdadeiro som, aquele encoberto por tantas angústias, traumas e sentimentos trancafiados, traz uma nova consciência sobre si e é uma poderosa ferramenta terapêutica. "A voz é sempre o resultado de sua relação consigo mesmo", afirma a paraibana Fabíola Medeiros, terapeuta da voz.
Desencantando
Mas a voz da fala é apenas o princípio. Ao exprimir uma música, ela deixa de ser um mero veículo para a comunicação da razão. "Entoar uma melodia significa passear com a sua alma", diz Madalena Bernardes, que se define como artista da voz. Por isso mesmo, não há segredo: para cantar, basta sentir. É tiro e queda: sua voz muda, instantaneamente. "Quando direciono o que canto, fica mais fácil - eu, em algum lugar, cantando algo para alguém", afirma Madalena. É exatamente por esse motivo que os melhores cantores não são apenas os que têm a voz mais bela ou os que dominam a técnica, mas sim aqueles capazes de transmitir emoções verdadeiras por meio da voz.
Que tal agora arriscar o caminho oposto: empregar esse som para provocar reações emocionais na sua alma? Num dia tristonho, cinzento, faça uma força e cante. Esse pode ser justamente o instrumento necessário para dissipar a nuvem carregada que paira sobre sua cabeça - ou até mesmo para dar vazão à angústia. É o princípio terapêutico dos mantras, utilizados para promover a ampliação da consciência, alimentar o espírito e harmonizar os chacras.
Suspirando
Há também uma questão puramente fisiológica: "Não dá para cantar sem respirar", diz Sandra Sofiati, psicoterapeuta de São Paulo. Claro, pois o canto exige pausas diferentes, fôlego extra, controle da saída do ar - detalhes que fazem a respiração ser diversa da que usamos ao falar. Quando cantamos, prestamos atenção nos movimentos e no ritmo do diafragma e do pulmão. Por si só, essa consciência já reduz a ansiedade naquele momento. Em várias correntes de pensamento, seja oriental ou ocidental, nova ou antiga, a respiração desempenha papel fundamental.
O certo é que, porta para o mundo espiritual ou não, a respiração própria e o canto são usados há milênios e nas mais diversas religiões como uma forma de comunicação com o sagrado.
Conjuntando
Em muitos rituais religiosos, aliás, canta-se em conjunto. E a experiência de participar de um coral abre um novo capítulo no universo do canto. É quando uma pessoa começa a ouvir e perceber como sua voz se encaixa com a dos outros, brincando com acordes e dissonâncias, provando arranjos musicais complexos. Isso nada mais é que um aprendizado da arte do relacionamento humano. Não por acaso, a terapeuta Adelina Rennó usava o canto coral para ajudar crianças com problemas de adaptação à vida escolar, com excelentes resultados. "Os alunos entravam na aula de um jeito e saíam de outro".
O coral tem outras vantagens: em grupo algumas pessoas encontram a garra que procuram para superar limites e se convencerem de que conseguem cantar, espantando o fantasma da incapacidade. Quando se misturam todas as vozes, pequenas desafinações produzem um efeito curioso, que deixa o som ainda mais rico. Aos poucos, a percepção musical se desenvolve e a afinação começa a surgir, naturalmente. O canto se transforma, assim, na afinação do seu instrumento consigo mesmo e com o mundo. João Gilberto que me perdoe, mas, se é verdade que no peito dos desafinados também bate um coração, num peito afinado o coração bate bem melhor.
Para saber mais
A Escola do Desvendar da Voz, Valborg Werbeck-Svärdström, Editora Antroposófica, 2001
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