13/02/2015 - 09:40h
Uma, duas, três… Duzentas selfies publicadas em um único dia. Por trás das postagens, o jovem britânico Danny Bowman, 19 anos, ansioso por curtidas, compartilhamentos, pela aceitação no mundo das redes sociais. Tamanha expectativa fez com que o garoto amargasse um período de depressão e tentasse o suicídio.
A história de Bowman, o primeiro viciado em selfies do Reino Unido, se junta aos relatos de outros jovens de diversas nacionalidades que passam grande parte do tempo postando fotos de si mesmos, do que comem, do que vestem ou dos lugares que frequentam. Esse é o pano de fundo do vídeo documentário “Insta (ntes)” que aborda a discussão do narcisismo digital como uma possível epidemia do século XXI.
Para a professora da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas, Adriana Lia Friszman de Laplane, o comportamento do adolescente britânico é fruto de uma sociedade que estimula o individualismo, o egocentrismo e o narcisismo. “Não há nada mais importante do que você mesmo”, aponta revelando o que guia essa cultura.
Para a especialista a conduta tem relação com a construção de uma autoimagem enfraquecida, que torna a pessoa incapaz de lidar com frustrações. “A autoimagem é o reconhecimento que fazemos de nós mesmos, a partir de um conjunto de sentimentos, atitudes, ideias e vivências. É ela que permite ao indivíduo o equilíbrio para lidar com o mundo social e físico”, coloca. Seu desenvolvimento se inicia com o nascimento e depende em grande medida da relação que a criança vai estabelecer com o mundo que acessa.
Nesse sentido é que a família, a escola e outros equipamentos sociais desempenham importante papel. “Ao passo que se considera a criança capaz e saudável, encorajando-a na exploração do mundo, torna-se mais provável a construção de uma autoimagem positiva e segura, determinante como freio à exposição aos perigos e excessos”, coloca. Em sua visão, a escola também deve promover a exploração dos ambientes, com a mediação desses momentos. “Excluir as crianças dessas oportunidades é tolher a vida e não prepará-las para tal”, observa.
A especialista reforça que o principal fator para a construção da autoimagem é oOutro, ou seja, o ambiente social e aqueles com quem ela convive. Por isso, a necessidade de se estabelecer uma relação de confiança com as crianças, vendo-as como capazes de lidar com as situações, de maneira progressiva. “Com isso, é possível cessar proporções como essa relatada no vídeo documentário [a situação extrema vivenciada pelo jovem Danny Bowman] , porque a criança teve oportunidade de tomar decisão, fazer escolhas e traz isso em seu repertório”, esclarece.
Situações que fazem com que a criança se sinta fraca ou incapaz de enfrentar desafios devem ser descartadas. É o que defende a psicóloga Sylvia van Enck, que atua no Núcleo de Dependência de Internet do Ambulatório Integrado dos Transtornos do Controle do Impulso, do Instituto de Psiquiatra do Hospital das Clínicas de São Paulo. “Há casos em que a criança, por ser quieta ou introspectiva, acaba por ouvir coisas do tipo: ‘você é um bicho do mato’, ‘não brinca com ninguém’, ‘você chora à toa’. Essas expressões fazem com que ela não reconheça suas capacidades.”
Sylvia coloca que a situação pode se agravar na adolescência, período em que os jovens reafirmam sua identidade a partir da reunião de suas histórias de vida, crenças, valores e percepções sobre suas habilidades e competências. No caso do personagem britânico, a autoimagem foi construída, mas muito provavelmente a partir de uma visão negativa de si próprio.
Para Adriana, um possível contorno a esse cenário é praticar a compreensão, diversificar os estímulos e as práticas e até mesmo inibi-las quando necessário, sendo isso válido para crianças, adolescentes e adultos. “No caso da criança, quando ela não aceita o não, ou quando a família coloca o desejo infantil acima do que é razoável, do que é devido, estamos negativando essa construção. A mensagem que passamos com isso é que ela sempre vai ter o que quer, o que não é verdadeiro”, conclui.
Como apoiar no desenvolvimento da autoimagem?
Para a psicóloga Sylvia van Enck algumas condutas podem ajudar familiares e escolas a mediar o processo de construção da autoimagem. No caso das famílias, a especialista recomenda que se respeite o ritmo dos pequenos. “O tempo das crianças é calculado por um relógio que não diz do tempo delas, mas dos pais. E é justamente por essa corrida contra o tempo que se acaba facilitando atividades já possíveis para as criança.” Como exemplo, ela cita o ato de amarrar o sapato das crianças para ganhar tempo, ao invés de deixá-las realizar a tarefa. “Isso faz parte do processo de desenvolvimento integral delas”. Confira outras dicas:
- Discutir limites claros com as crianças, estabelecendo o que pode e não pode ser feito. No caso das escolas, isso também deve ser projetado para a família.
- Fomentar a participação das crianças para que elas sejam estimuladas a desenvolver habilidades a partir da busca e do enfrentamento de dificuldades.
- Estimular a autonomia e o senso de responsabilidade, com delegação de algumas tarefas como, por exemplo, de organização.
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