Em suas palestras pelo Brasil, o presidente da Sociedade Brasileira de Matemática, Marcelo Viana, costuma ouvir sempre a mesma pergunta: é possível fazer pesquisa científica de alto nível no Brasil?
A resposta veio nesta quarta (noite de terça no Brasil), quando o pesquisador carioca Artur Avila recebeu em Seul o prêmio máximo da matemática, a Medalha Fields.
"Esse prêmio prova algo inquestionável: é possível seguir a carreira de matemático e alcançar o topo. Não é pouca coisa", disse Viana à Folha, após acompanhar a premiação durante a abertura do Congresso Internacional de Matemáticos (ICM, na sigla em inglês), na capital sul-coreana.
Entretanto, o momento de glória da matemática brasileira não deve ocultar os obstáculos para o avanço da ciência no Brasil, alerta Viana, sobretudo com Professores despreparados. ªTemos problemas gravíssimosº.
O próximo ICM será no Rio de Janeiro, e Viana espera aproveitar a oportunidade para popularizar a matemática entre os jovens,
Folha - Qual a importância do prêmio?
Marcelo Viana - O fato de que uma Medalha Fields vai para um jovem nascido e criado no Brasil, e que fez seu estudo e trabalho no país, prova algo inquestionável: é possível fazer ciência de alta qualidade num país como o nosso. É possível sonhar em seguir a carreira de matemático e alcançar o topo. Isso não é pouca coisa. Eu dou palestras no país todo, e sempre me perguntam: mas dá para fazer bem feito? Afinal, nós somos um país em desenvolvimento. Aí está a resposta e espero que tenhamos mais ganhadores da Medalha Fields no futuro e de outros prêmios em outras disciplinas. Embora o prêmio seja dado a um indivíduo por seu talento, é claro que é uma bela ilustração do progresso que a matemática alcançou nos últimos 50 anos no Brasil. Em 1957 organizaram o primeiro colóquio brasileiro de matemática e tinha entre 40 e 50 participantes. Essa era a comunidade de matemática do país. Hoje temos reconhecimento internacional, com quatro conferencistas convidados para esse congresso, um ganhador da Medalha Fields e iremos sediar o próximo congresso. Esse é o caminho que a matemática no Brasil percorreu nos últimos anos, que é absolutamente notável. Matemáticos gostam de demonstração e a Medalha Fields faz isso.
Há outros pesquisadores no Brasil com o potencial de sucesso internacional de Artur Avila?
A Medalha Fields do Artur é um prêmio ao Artur, pelo seu talento. Mas houve outros matemáticos brasileiros no passado que foram cogitados para a Medalha Fields. Isso não é público, mas é fato. O Impa [Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada , no Rio] é uma das instituições do mundo com o maior número de palestrantes no congresso deste ano. Então não dá para dizer que foi um caso isolado. Dito isso, precisamos manter os pés no chão: temos problemas gravíssimos. Numa palestra ontem [terça] sobre a importância da matemática para o desenvolvimento econômico e social dos países, um Professor de Stanford, Eric Hanushek, citou o Brasil como exemplo. Baseado em pesquisas sobre o comportamento dos países, ele disse que se o Brasil melhorar seu desempenho em matemática em 25 pontos no Pisa [exame internacional que compara o desempenho acadêmico dos países] o nosso PIB aumentará em 270%. Isso é absolutamente fantástico no sentido de avaliar a importância da matemática no desenvolvimento social do país. São dados sérios de pesquisadores que se dedicam a entender esses assuntos. E aumentar 25 pontos não é nenhuma façanha. Nós temos problemas gravíssimos no modo como treinamos os nossos professores e isso se reflete na forma com que eles dão aulas. A reputação da matemática como uma matéria chata e estéril é muito fruto do fato de nossos professores não estarem preparados para ensinar. Porque eles não gostam de matemática. E como é que você vai ensinar os alunos a gostar daquilo que você não gosta? Exemplos como o da Coreia do Sul provam que é possível superar esses problemas no espaço de uma geração. A Coreia sempre apostou na educação de qualidade, mesmo em tempo de guerra. Isso implica em o país definir como nação suas prioridades estratégicas.
O próximo Congresso Internacional de Matemáticos será no Brasil. Isso pode ajudar?
Será a primeira vez que o Congresso, em mais de cem anos de existência, será realizado no hemisfério sul. Começa por ser uma grande vitória, fruto do avanço da matemática no Brasil, e o reconhecimento internacional do desenvolvimento do país, não só na matemática, mas na capacidade de organização. Trata-se de um evento extremamente complexo. No Congresso de Seul há mais de 5 mil participantes de 120 países. No Rio deve ter mais, porque o Brasil é um país muito atraente e ficou mais ainda depois do sucesso na organização da Copa. A experiência mostra que nos países que organizam o congresso há um grande impacto na matemática e no modo como a matemática é percebida na sociedade. Então para nós o grande desafio é fazer com que a sociedade brasileira saiba da importância da matemática e do status que o Brasil tem na comunidade [científica] internacional. Queremos levar isso até as casas em todo o Brasil. Estamos apostando em fazer essa divulgação entre as crianças, daí termos lançado o concurso ICM 2018, para que as crianças desenhem o mascote do congresso.