13/11/2013 - 05:28h
Débora Didonê
Noel Rosa subiu o morro para fazer parcerias prolíficas com os bambas da década de 1930
Foto: Reprodução
Branco, culto e de classe média, Noel Rosa tinha requisitos para se tornar um dos doutores dos anos 1930. Para tristeza dos pais, trocou a medicina pelo samba. E foram precisos apenas seis anos para dar sua marca à história da música popular brasileira.
Muito antes de o Rio de Janeiro fazer carnaval "para gringo ver", o artista circulava entre jovens sambistas dos subúrbios da Estácio de Sá, onde foi fundada, em 1928, a Deixa Falar - embrião das escolas de samba de hoje. Noel compunha versos com a fala do povo. Seus sambas eram carregados de um romantismo satírico, como em Riso de Criança ("Cada paixão que eu esqueço / É mais um samba que eu faço"). Além dos tropeços amorosos, Noel cantava os contrastes sociais, o Brasil que aniquilava as sacas de café com a chegada de Getúlio Vargas e, claro, o amor incondicional pelo samba. "Noel foi quem fez da música um recado. O Brasil daquele tempo está em qualquer canção sua", diz Jorge Caldeira, autor de Noel Rosa, de Costas Para o Mar. Em matéria de samba, sim, Noel virou doutor.
Queixinho
Com uma complicação no parto, em 11 de dezembro de 1910, Noel de Medeiros Rosa acabou danificando sua mandíbula. "Com dificuldade para mastigar, Noel se afastava dos amigos no recreio. A fratura fez com que seu grande companheiro fosse, desde cedo, o bandolim", conta Luiz Ricardo Leitão, autor de Noel Rosa, Poeta da Vila, Cronista do Brasil.
Adolescente, deixava os estudos um pouco de lado para se entrosar com os músicos dos bares do Ponto de Cem Réis, perto de onde morava. Aos 19 anos, foi convidado para ser violonista do Bando de Tangarás. Entre os componentes estava Braguinha, ou João de Barro (autor de Pastorinhas, de 1935, em parceria com Noel), como se apresentava para não expor o nome da família abastada, para quem fazer música era coisa de gente desocupada. Depois de compor duas modinhas no Bando, Noel foi lançado ao grande público com o sucesso carnavalesco de Com Que Roupa, gravado em 1930, dando asas a uma frenética produção de letras e músicas de samba.
Haja coração
Embora não fosse um aluno exemplar, Noel estudou no renomado Colégio São Bento e, aos 21 anos, entrou na Faculdade de medicina. Ironicamente, o curso inspirou a memorável canção Coração, apelidada por Noel de samba anatômico, em que descreve os efeitos da paixão nas engrenagens do órgão. Nesse quesito, Noel era bom entendedor. Não só pelas mulheres inesquecíveis que conheceu, mas pelas canções que compôs para cada uma delas. Por azar, Noel se casou com a única que não amou. Quando sua família e a de Lindaura, de 13 anos, souberam do namorico de ambos, o rapazote conquistador não teve escapatória.
Faz tudo
Desde as primeiras canções, que somavam 30 no período de 1930 e 1931, o nome de Noel estampava cartazes de teatros de revista sob o chamado "do autor de Com Que Roupa". Já consagrado como artista, em 1936, fez trilhas para películas como Alô, Alô, Carnaval, de Wallace Downey - produtor de Coisas Nossas, o primeiro filme falado no Brasil. Aliás, uma de suas letras mais simbólicas critica a influência norte-americana trazida ao país com o cinema falado em Não Tem Tradução ("Tudo aquilo que o malandro pronuncia / Com voz macia é brasileiro / Já passou de português / Amor, lá no morro, é amor pra chuchu / As rimas do samba não são 'I love you'"). Noel era multimídia. Na verve do samba, descreveu a alma brasileira dos anos 1930. "Se a Vila Isabel não foi o berço do samba, como se diz da Estácio, foi o playground, graças ao Noel", afirma o carnavalesco Alex de Sousa, da Unidos de Vila Isabel. O compositor morreu tuberculoso aos 26 anos, sem pedir choro nem vela, mas uma fita amarela gravada com o nome dela. E, de quebra, uma mulata sapateando no caixão. Mal sabia ele que tantas estariam rebolando na Sapucaí do Brasil de tanga pelo seu centenário.
LIVROS
No Tempo de Noel Rosa, Almirante, Francisco Alves
O Morro e o Asfalto no Rio de Noel Rosa, João Máximo, Aprazível Editores
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