04/09/2014 - 09:01h
A greve de professores, funcionários e estudantes da Universidade de São Paulo (USP) completa nesta quinta-feira (4) cem dias e já é a mais longa na instituição em pelo menos uma década. Motivadas pela proposta de reajuste zero nos salários oferecida originalmente pelo reitor Marco Antonio Zago, as três categorias estão parcialmente paradas em várias unidades dos campi na capital e no interior.
Além de o primeiro semestre letivo ainda não ter sido concluído em algumas Faculdades e escolas, os trabalhos administrativos tiveram que ser realocados porque o prédio da reitoria foi fechado por manifestantes. O Conselho Universitário da USP aprovou, nesta terça-feira (2), uma proposta de reajuste salarial de 5,2% para os servidores (Professores e funcionários) e um plano de demissão voluntária dos funcionários.
A reitoria diz que falta dinheiro para reajustar os salários e apresentou dados sobre como a folha de pagamento de servidores Docentes e não-docentes compromete o orçamento. Desde então, uma série de propostas têm sido apresentadas para reduzir os gastos da instituição e a negociação salarial foi parar na Justiça. A greve na universidade já em mais de uma década, assim como o comprometimento orçamentário e a redução do fundo de reserva.
O G1 procurou a reitoria da USP, a Associação de Docentes da USP (Adusp), o Sindicato dos Trabalhadores da USP (Sintusp), o governo estadual e a Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) para explicar a posição de cada uma das partes envolvidas nas causas e efeitos da crise financeira na universidade. Veja as perguntas e respostas sobre a greve, a crise financeira e seus efeitos:
Quando e por que começou a greve de professores e funcionários?
Começou em 27 de maio, depois que o Conselho de Reitores das Universidades Estaduais Paulistas (Cruesp) anunciou, em 13 de maio, a decisão de congelar os salários, ou seja, oferecer reajuste zero às categorias de professores e de funcionários técnico-administrativos da USP, Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e Universidade Estadual Paulista (Unesp).
Maio é a data-base para essas categorias, segundo a Adusp. A proposta do reitor foi oferecer reajuste zero neste mês, e só negociar a data-base em setembro. Desde que a greve teve início, houve três reuniões marcadas entre o Cruesp e o Fórum das Seis (que reúne os sindicatos das três universidades paulistas). A reunião de 13 de junho foi cancelada, e nas dos dias 3 de julho e 16 de julho a questão do reajuste salarial não foi discutida. A reunião seguinte só aconteceu nesta quarta-feira (3), quando o Cruesp fez a proposta de reajuste salarial de 5,2% para professores e funcionários técnicos-administrativos das três universidades paulistas: USP, Unicamp e Unesp.
A proposta ainda precisa ser debatida pelos sindicatos das entidades, via assembleias, antes que a greve seja encerrada. O resultado dessas assembleias deve ser apresentado durante um novo encontro com o Cruesp marcado para a próxima terça-feira (9).
Prédio dos cursos de história e geografia da USP:
greve há 100 dias (Foto: Ana Carolina Moreno/G1)
Qual foi a adesão à greve?
A adesão das três categorias foi parcial. Segundo Magno de Carvalho, presidente do Sintusp, 80% dos funcionários paralisam as atividades. Em algumas unidades, como a Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) e a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU), boa parte dos professores retiveram as notas dos estudantes (o prazo de lançamento das notas no sistema Júpiter Web terminou em 6 de julho) e o primeiro semestre letivo, na prática, ainda não foi concluído.
Em outras, como na Escola Politécnica (Poli) e na Faculdade de Economia, Administração e Ciências Contábeis (FEA), as aulas continuaram normalmente e só uma minoria de docentes chegou a parar. Nessas unidades, o segundo semestre letivo começou normalmente no início de agosto.
Há ainda unidades que decidiram realizar paralisações durante alguns dias e trocar as aulas regulares por palestras, debates e mesas-redondas sobre a crise na universidade. É o caso do Instituto de Biociências (IB) e do Instituto de Matemática e Estatística (IME). As unidades ligadas à área de saúde também fizeram protestos pontuais contra a proposta de desvinculação do Hospital Universitário, uma das ideias sugeridas pela reitoria para reduzir os gastos da instituição.
Mesmo nas unidades paralisadas, o processo de matrícula do segundo semestre foi feito normalmente pelo sistema informatizado, independente da finalização do primeiro semestre.
Funcionários da USP fecharam a entrada do prédio
da reitoria após corte no pagamento
(Foto: Reprodução/GloboNews)
Por que a greve foi parar na Justiça?
No fim de julho, quando a greve completou dois meses, funcionários de algumas unidades que mantinham funcionando os serviços essenciais durante a paralisação decidiram suspendê-los em protesto contra o corte de ponto de alguns grevistas. Isso aconteceu depois que a reitoria enviou um ofício aos diretores de unidade orientando que os dias anotados no sistema que controla o ponto como "greve" fossem contados como "dias não trabalhados".
Na época, a assessoria de imprensa da USP afirmou que o ofício não tinha como objetivo ordenar o corte de ponto dos funcionários e professores em greve, mas que respondeu a uma demanda dos dirigentes da unidade, que não sabiam como deveriam lidar com a folha de ponto. O Sintusp diz que cerca de 2 mil funcionários tiveram parte do salário descontado por causa da greve.
A reação dos funcionários ligados ao Sindicato dos Trabalhadores da USP (Sintusp) foi montar acampamento em frente ao prédio da reitoria para reivindicar o pagamento dos salários. As três categorias também arrecadaram doações para distribuir entre os funcionários que tiveram o salário cortado.
Entre agosto e setembro, o impasse chegou à Justiça trabalhista, e duas reuniões de conciliação foram realizadas entre representantes da reitoria e do sindicado. Na segunda-feira (1º), o Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo decidiu que a USP tinha 48 horas, a partir de notificação judicial, para depositar o pagamento dos salários atrasados dos funcionários que estão em greve e que tiveram parte de seus vencimentos descontado no mês de julho. Em caso de descumprimento, a multa é de R$ 30 mil por dia de atraso. De acordo com o Sintusp, até o fim da manhã desta quarta-feira, nenhum funcionário com ponto cortado havia recebido o salário atrasado.
Por que o reitor congelou o reajuste?
A USP diz que não tem condição financeira de pagar o reajuste, já que a folha de pagamento chegou a bater os 105% do orçamento de toda a instituição. O reitor também afirmou que a USP gastou, na gestão passada, cerca de metade do seu fundo de reserva e que, portanto, é preciso conter gastos para evitar que ele acabe.
Os professores da Adusp afirmam, porém, que a universidade tem recursos para fazer esse pagamento e que o orçamento de 2014, elaborado já pela atual gestão, inclui uma rubrica dedicada exatamente ao reajuste. A Adusp diz considerar a decisão do reitor "política" e afirma que, além do reajuste já previsto no orçamento, a USP, a Unicamp e a Unesp ainda precisam de maiores recursos, "porque elas expandiram suas instalações, seus cursos e número de alunos nos últimos vinte anos, mas o governo estadual, ao invés de aumentar os repasses, usa artifícios contábeis para reduzi-los".
Como a USP é financiada?
Desde 1989, o orçamento das três universidades paulistas é o Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Segundo a Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Inovação do Estado, as universidades estaduais paulistas (USP, Unesp e Unicamp) recebem 9,57% do total arrecadado pelo Estado, por meio do ICMS, o que representou R$ 8,3 bilhões em 2013. Desse montante, a USP fica com 5,03%. A alíquota de 9,57% é a mesma desde 1995.
Em 2013, esse valor representou cerca de R$ 4,3 bilhões para a USP. "Foram ainda assinados convênios para repasses que somam mais de R$ 70 milhões, sendo cerca de R$ 32 milhões para obras, mobiliários e equipamentos, além de outros R$ 38 milhões para cursos no âmbito da Univesp", disse a secretaria.
Orçamento da USP em 2014
Segundo a reitoria, os gastos previstos neste ano são mais altos do que a previsão de arrecadação do ICMS
Fonte: USP
Quanto a USP gasta? Gasta com o quê?
De acordo com a Adusp, os gastos principais de "toda universidade pública de qualidade" são principalmente com a folha de pagamento para professores e funcionários técnico-administrativos. "Mas gasta também com pesquisas, investimentos em equipamentos móveis e imóveis, assistência estudantil (por exemplo, alimentação dos estudantes a preço subsidiado)", diz a associação dos docentes.
Segundo a assessoria de imprensa da reitoria da USP, o orçamento de 2014 inclui gastos de R$ 3,2 bilhões com as unidades de ensino e pesquisa, R$ 111 milhões com os institutos especializados, R$ 73 milhões com museus, R$ 410 milhões com hospitais e anexos, R$ 33 milhões com políticas de permanência estudantil R$ 4,4 milhões com o programa de gestão ambiental, entre outros. Gastos com órgãos de apoio e órgãos de serviço somam R$ 753 milhões, e custos relacionados à carreira dos funcionários ativos, previdência, precatórios, entre outros, somam outros R$ 233 milhões.
No total, os gastos previstos para 2014 são de R$ 5,1 bilhões, o que demanda o uso de R$ 575 milhões dos recursos do fundo de reserva da USP.
Por que o dinheiro do ICMS parou de ser suficiente?
A Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Inovação do Estado afirmou que "o repasse subiu 32% em termos reais entre 2007 e 2013" e que, além do repasse do ICMS, "foram ainda assinados convênios para repasses que somam mais de R$ 70 milhões, sendo cerca de R$ 32 milhões para obras, mobiliários e equipamentos, além de outros R$ 38 milhões para cursos no âmbito da Univesp".
A Adusp diz que houve "enorme" expansão dos serviços oferecidos pelas universidades, inclusive a USP, "sem que houvesse a devida contrapartida em novos recursos financeiros". Entre 1995 e 2013, a associação aponta que houve crescimento de 54,9% nas vagas de graduação oferecidas pela Fuvest, 115,9% nos curso de graduação, 39,5% nos cursos de pós-graduação, 129% no número de doutores formados anualmente e 77,3% no número total de alunos de graduação matriculados.
Segundo o sindicato de docentes, esse aumento demanda mais estrutura, funcionários e docentes. "No entanto, apesar do terrorismo feito pelo novo reitor, os índices de crescimento do pessoal foram muito inferiores aos outros índices: os funcionários passaram de 15.105 em 1995 para 17.451 em 2013 (+15,5%), ao passo que os docentes passaram de 5.056 para 6.008 (+18,8%). Contudo, note-se que em 1989 a USP tinha 17.735 funcionários técnico-administrativos, nível ao qual não mais retornou apesar da enorme expansão registrada nos anos posteriores."
"Importante destacar que a criação do campus da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH), conhecida como USP Leste, e a incorporação da Faculdade de Engenharia Química de Lorena (Faenquil), hoje Escola de Engenharia de Lorena (EEL), ambas ocorridas em 2005 por decisão do governo estadual, não foram acompanhadas do corrrespondente incremento de recursos para sustento perene de suas atividades", diz a Adusp.
Segundo a assessoria de imprensa da secretaria, parte dos gastos da EEL são custeados pelo próprio governo.
Qual é a solução proposta pela reitoria?
O reitor Marco Antonio Zago apresentou várias propostas de contenção de gastos para equilibrar o orçamento. Em maio, decidiu congelar o salário dos servidores docentes e não-docentes. Em julho, decidiu fechar escritórios mantidos pela USP em outros países.
Em agosto, apresentou o Programa de Incentivo à Demissão Voluntária (PIDV), com teto de até R$ 400 milhões e público-alvo de 2.800 funcionários técnico-administrativos, e a desvinculação do Hospital Universitário da Cidade Univesitária e do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais (HRAC), que fica no campus de Bauru, com a transferência de ambos para a Secretaria de Saúde.
Em Entrevista ao Bom Dia Brasil (veja acima), o reitor afirmou que a crise precisa ser resolvida cortando gastos. "Qual é a economia que se faz? Primeiro, economia de gestão, de material de consumo, de serviços terceirizados, e assim por diante. Segundo, é que nós não precisamos contratar mais recursos humanos", disse.
Segundo um dos conselheiros do Conselho Universitário (CO), a Comissão de Orçamento da USP apresentou, na terça-feira (2), um cálculo da economia prevista com o programa de demissão voluntária e afirmou que ela seria suficiente para a oferta de reajuste salarial de 5,2% aos professores e funcionários, a ser pago em duas parcelas, em outubrou/novembro de 2014 e janeiro de 2015.
Na LDO 2015, aprovada em 31 de julho, o repasse
para as três universidades permaneceu igual ao
ano anterior (Foto: Reprodução/Imprensa Oficial)
Qual é a solução proposta pelos professores e funcionários?
A solução proposta pela Adusp e pelo Sintusp inclui três pontos: o reajuste salarial previsto no orçamento para 2014, ao custo total de cerca de R$ 320 milhões; a mudança na base de cálculo da alíquota do ICMS, sem descontar o valor repassado a outras áreas, com as políticas de habitação, o que acrescentaria cerca de R$ 60 milhões por mês ao orçamento das três universidades paulistas, segundo a Adusp; e um aporte emergencial de mais 0,7% do ICMS para as estaduais paulistas em outubro de 2014.
Em junho, a Adusp enviou à Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) várias propostas de alteração do artigo 4º da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), para especificar, no texto da lei, de que forma é feito esse cálculo. Porém, a LDO referente a 2015, aprovada em 30 de julho, não incluiu alterações em relação à do ano anterior.
Qual é a solução proposta pelo governo estadual?
Em nota, a Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Inovação do Estado não respondeu à pergunta, afirmando que "respeita a autonomia universitária, conforme determinado pelo artigo 207 da Constituição Federal de 88 e pelo decreto estadual 29.598/1989, o que garante a USP independência no que diz respeito à administração e à gestão de seus recursos financeiros".
Na terça-feira (3), o governador de São Paulo e candidato à reeleição Geraldo Alckmin afirmou que a crise na USP é transitória. "Esta crise é transitória porque estamos com o PIB negativo, mas isso vai passar e a hora que a economia crescer, o ICMS cresce, é uma questão transitória", afirmou Alckmin.
Que propostas já saíram do papel?
Algumas propostas da reitoria, como o fechamento de escritórios no exterior, não precisam ser aprovadas. Em outros casos, o Conselho Universitário (CO), instância máxima de decisão da USP, precisa debater as sugestões e submetê-las a votação. Na última reunião do CO, realizada em duas partes (nos dias 26 de agosto e nesta terça, dia 2), o Programa de Incentivo à Demissão Voluntária (PIDV) foi aprovado pela maioria dos conselheiros, assim como a desvinculação do HRAC. A pedido dos conselheiros, a proposta sobre a desvinculação do HU foi retirada da pauta, e uma comissão especial de professores, funcionários e estudantes foi criada para elaborar um estudo sobre o tema, e apresentá-lo na próxima reunião.
Após a aprovação do PIDV, os conselheiros também aprovaram, na reunião de terça-feira, a proposta de reajuste salarial de 5,2%.
Por que a greve ainda não acabou?
Apesar de aprovada no CO da USP, a proposta de reajuste precisou ser discutida entre os reitores e os sindicatos das universidades paulistas, que negociam a questão salarial de forma conjunta. A reunião entre o Conselho dos Reitores das Universidades Estaduais Paulistas (Cruesp) e o Fórum das Seis (que reúne os sindicatos de professores e funcionários da USP, Unicamp e Unesp) foi realizada na tarde desta quarta-feira (3), e o reajuste de 5,2% já aprovado pelo CO da USP, foi estendido para a Unesp e Unicamp.
Como cada categoria tem sua própria instância de decisão, que são as assembleias, a proposta precisa ser levada a elas. A próxima assembleia permanente da Adusp acontece na tarde desta sexta-feira (5). O Sintusp fará uma assembleia na manhã desta quinta-feira (4) e outra na segunda-feira (8). Na terça-feira (9), o Fórum das Seis volta a se reunir com o Cruesp para expor os resultados dessas assembleias.
Vestibular da Fuvest será dia 30 de novembro
(Foto: Flávio Moraes/G1)
A greve vai afetar o vestibular?
Não. A Fuvest manteve o calendário do vestibular e as inscrições podem ser feitas até a próxima segunda-feira (8). A data da primeira fase será em 30 de novembro, e a segunda fase está programa para os dias 4, 5 e 6 de janeiro. A primeira chamada está prevista para o dia 31 de janeiro. Nas unidades em greve, o calendário do fim do primeiro semestre e o do segundo semestre só serão definidos após o fim da paralisação, e ainda não se sabe se haverá aulas em dezembro e janeiro.
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