03/10/2014 - 17:01h
O Facebook e outras redes sociais são espaços para a conexão entre amigos e pessoas que não se conhecem
Foto: Dado Ruvic / ReutersVocê está quase saindo da rede, quando salta a seus olhos aquele comentário radicalmente contrário a tudo que você acredita. O autor pode ser até um desconhecido, mas você encara como uma provocação - ou uma chance de expor suas opiniões, não importa: quando você vê, passaram-se horas de discussão no Facebook.
Das quase quatro horas em média que o internauta brasileiro passa online diariamente não é difícil dedicar boa parte delas conversando - ou batendo boca - com outros usuários. A julgar pelas longas listas de comentários, muitos raivosos, o desgaste pode ser grande, especialmente em véspera de eleições, mas acredite, existe discussão inteligente no Facebook. Para isso, é preciso respeito - igualzinho como acontece na "vida offline". A diferença é que, online, o esforço para ser empático - e contar até 10 - é ainda maior.
Uma prova de que é possível ter uma discussão construtiva nas redes é Edilson Luiz Ales Junior. Profissão: consultor de Tecnologia da Informação. Atividade: debatedor assíduo na rede. Uma discussão por semana é o mínimo da sua rotina, diz. Normalmente são sobre assuntos como violência, racismo e feminismo. É uma atividade bem cansativa, por não ter elementos como interação de voz, o humor da pessoa, o que ela está te passando realmente, como tem pessoalmente. Mas acredito que as pessoas mudam com informação. Nas redes sociais, você tem de confiar muito na interpretação de texto das outras pessoas.
Edilson Luiz Ales Junior, que entra em pelo menos um debate polêmico por semana no Facebook, afirma que é possível ter conversas produtivas nas redes
Foto: Arquivo pessoalFacebook / ReproduçãoAles Junior ressalta que, muitas vezes, as pessoas interpretam e mesmo se expressam mal nos debates online, principalmente em assuntos que tratam de crenças da sociedade. É só dar uma olhada nas timelines por aí para perceber o quanto é comum receber na defensiva qualquer argumento que confronte a crença do outro. Ales Junior confessa que, apesar de estar interessado em debates construtivos, já perdeu a paciência. As pessoas interpretam a opinião contrária como confronto. Depois de 50 ou 60 posts, 40 minutos tomando pedradas, se você não tiver autocontrole de parar um pouco, tomar um ar, reler tudo o que foi dito, acaba perdendo a paciência. Então, o melhor é se acalmar e tentar ser empático com a pessoa, aconselha.
A professora e pesquisadora da Universidade Católica de Pelotas (UCPel) Raquel Recuero reafirma que conversar online pode causar ruídos na comunicação e atrapalhar o bom andamento do debate, tornando-o mais acalorado facilmente. Online não temos importantes informações. Não sei como o outro está recebendo o que eu digo. Muitas vezes, vejo as respostas muitas horas depois e não consigo corrigir aquela interação rapidamente. Não ouvimos a entonação da pessoa, como quando alguém posta algo que pretendia ser engraçado e outro usuário se ofende, porque não entende o contexto. Tudo isso propicia o desentendimento, explica.
Além disso, como a rede social conecta milhares de pessoas, entre conhecidos e desconhecidos (no Facebook, muitas publicações estão visíveis a amigos de amigos), pessoas que você nem imagina podem receber suas publicações ou comentários e se ofender com sua posição sobre determinado assunto. São as chamadas audiências invisíveis. As pessoas querem discutir, sim. Mas esse monte de ruído acaba atrapalhando e as pessoas tendem a ser mais agressivas na rede, porque não estão vendo o outro, afirma Raquel.
A pesquisadora lembra ainda que, tanto online quanto pessoalmente, as pessoas tendem a buscar concordância, procurando os pontos que têm acordo e minimizando os que não têm. A diferença é que, pessoalmente, em um debate com conhecidos ou amigos, a pessoa sabe até onde pode ir. Na internet, nem tanto. Acho difícil imitar online essa circunstância contextual. É preciso muito respeito para debater online. Os limites de bom senso não são tão nítidos na internet, as pessoas agem como se conhecessem todos os outros usuários e acabam ficando mais agressivas. É possível ter discussões construtivas, mas é preciso escolher bem essas discussões, afirma Raquel.
Boa reputação nos debates online
O empresário Igor Oliveira, que afirma ter várias conversas produtivas no Facebook, explica que é uma questão de saber utilizar a ferramenta e identificar as pessoas que não estão dispostas a dialogar. A regra básica é não dar trela para quem não quer dialogar de verdade. Eu procuro outras pessoas com o mesmo perfil e intensifico a minha interação com elas. As que querem simplesmente brigar, procuro não responder com muita intensidade, para não estimular um ambiente negativo.
Ele entende por debates uma conversa em que o usuário quer convencer a plateia ou ter o argumento mais forte; diálogos, para Igor, é quando se está disposto a trocar ideias e conversar, e esses são mais produtivos no Facebook. Se você conseguir manter a boa vizinhança, é possível criar uma boa reputação como alguém que sabe dialogar e até ser lembrado nas conversas alheias. As pessoas me marcam quando querem ouvir minha opinião. Tem épocas que isso se intensifica. Quanto mais energia colocarmos nas interações, mais diálogos surgem, diz.
Ales Junior lembra de uma discussão sobre o caso do jovem negro acorrentado na zona sul do Rio de Janeiro, em que havia pessoas defendendo o ato e outras condenando. Uma discussão mais acalorada com outro usuário acabou indo para a troca de mensagens privada na rede. Com mais privacidade, a conversa abrandou e tornou-se mais construtiva. Quando não se está exposto ao julgamento alheio, a pessoa tenta escutar mais o que você está dizendo. Não tem mais medo de ser julgada pelos outros ao perder ou ganhar uma discussão.
Mudar de opinião
Para quem duvida que debates em redes sociais possam render uma boa conversa, saiba que é possível até mudar de opinião. Foi o que aconteceu com Eduardo Pohren, em uma postagem pública de um amigo. Ele conta que a discussão era sobre preconceito racial em jogos de futebol, em que ele era contra abolir o termo macaco utilizado pela torcida do Grêmio para se referir aos torcedores do Internacional, mas os argumentos de seu amigo, que defendia o fim do termo por ter uma conotação racista, acabaram fazendo com que ele refletisse. A discussão foi antes do caso do goleiro Aranha, do Santos, que repercutiu nacionalmente. Naquela oportunidade, escutei os argumentos dele e refleti sobre o assunto. Quando os casos de injúria racial por parte da torcida gremista aconteceram (caso Aranha), mudei de opinião sobre o uso do termo. Foi por causa do Facebook, além de informações de outros locais, conta.
Todos têm voz, mas nem todos são ouvidos
Apesar de uma imagem negativa se impor a cada comentário ofensivo nas redes sociais, os debates online têm um papel importante na democratização das opiniões na sociedade. É o que ressalta a pesquisadora Raquel, destacando que a rede nos expõe a ideias e opiniões que normalmente não estaríamos expostos. Mas nem sempre gostamos desse contato com o que é contrário ou estamos dispostos a ouvir outras opiniões. A internet é democrática no sentido que te dá a oportunidade para falar. Pessoalmente, às vezes fica difícil se deslocar para ver uma realidade diferente da sua, como classes sociais, por exemplo. A rede torna mais fácil o contato com essas pessoas. Mas muitas pessoas não se respeitam, e os debates são negativos, levando muitos usuários a achar que não é bom entrar nas discussões. Vemos que existe uma tentativa de silenciar o discurso contrário. Ao invés de discutir as ideias, vou lá e xingo um usuário. Isso é antidemocrático.
As redes nos colocam em contato com pessoas que pensam diferente, diz Raquel. Com esse contato, muitos temas velados na sociedade brasileira, como o racismo, vêm à tona nos pontos de vistas de quem participa dos diálogos. Quando se diz que o brasileiro não é racista, é uma grande mentira. Basta entrar na internet para ver o quanto as pessoas ainda são racistas. Sem nem se dar conta, pois o discurso é naturalizado e as pessoas não percebem o que estão dizendo. A internet desvela esses discursos e mostra que a sociedade tem sim essas questões e é preciso questioná-las.
Eduardo não acredita que as pessoas tenham, em geral, interesse em ouvir os outros nas redes, acha que elas enxergam mais como um espaço para expor suas opiniões. As pessoas querem escutar o que elas pensam saindo da boca do outro, não querem refletir. Em um ponto, começam só a repetir o que disseram. Em alguns debates, as pessoas me acusavam de algo que eu tinha acabado de escrever o contrário acima. Elas não liam, conta.
Mas ele não culpa a rede social, vê nela uma ferramenta para a discussão. Não acho que o Facebook ajude a perpetuar maus debates. Nele, as más conversas só aparecem de forma explícita. As pessoas em geral são assim, não ouvem os outros. A rede social acaba forçando mais os debates, e isso é muito positivo. Ela democratiza opiniões e debates com outras óticas. Todos têm voz, e isso é importante, apesar de nem todos ouvirem.
Ales Junior aponta como ponto positivo o fato de, em debates online, a pessoa poder utilizar a internet para validar dados e buscar mais informações sobre o assunto em pauta, antes mesmo de dar sua opinião, tornando-a mais consistente. Já ao vivo, a conversa é mais imediata. Confirmar os dados antes de rebater é ótimo, mas para isso, a pessoa precisa estar interessada.
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