16/08/2014 - 14:01h
O médico e Professor Bernardo Boris Vargaftig
(Foto: Arquivo Pessoal / Bernardo Boris Vargaftig)
O médico e professor aposentado Bernardo Boris Vargaftig renunciou o título "Doutor Honoris Causa" recebido em 1991 da Unicamp, após a universidade manter honraria semelhante concedida em 1973 ao ex-ministro de Educação Jarbas Passarinho, no governo Médici. Em carta enviada à reitoria nesta quinta-feira (14), ele criticou a decisão do Conselho Universitário, órgão máximo de deliberação, e justificou que a homenagem deixou de ser motivo de honra.
"A recente recusa [...] confirma a evolução retrógrada da política brasileira em curso, que as Universidades públicas seguem, não só em relação ao exercício do direito de greve e à liberdade de manifestar, como também na manutenção de sua estrutura anti-democrática", diz o texto da carta assinada pelo Docente. Um dos perseguidos políticos durante o período da ditadura militar, ele foi indenizado pela Comissão de Anistia do Ministério da Justiça em 2008.
A revogação da honraria dada ao ex-ministro foi pedida em moções entregues ao Consu por congregações dos institutos de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH), Artes (IA) e Estudos da Linguagem (IEL), além da Faculdade de Educação. A aprovação dependia de 50 votos favoráveis durante a reunião ocorrida na semana passada - número equivalente a dois terços do total de 75 integrantes - mas obteve 49. Na sessão houve dez votos contrários e dez abstenções.
Ao ponderar sobre a polêmica relacionada ao assunto, Vargafitg defendeu que uma nova discussão poderia ter alterado a decisão. "Recuso-me a continuar a acompanhar o Coronel repressivo [...] responsável por tantos desmandos e arbitrariedades", diz outro trecho da carta. Bernardo Vargaftig é graduado em medicina pela Universidade de São Paulo (USP) e trabalhou em Campinas com o médico Oswaldo Vital Brazil, responsável pela fundação do Departamento de Farmacologia da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp.
A universidade
A Unicamp informou em nota, que a carta de Bernardo Vargaftig foi recebida pela reitoria e encaminhada à Secretaria Geral para comunicação ao Consu. Sobre a manutenção da honraria ao ex-ministro Jarbas Passarinho, a assessoria da universidade disse que "respeita a opinião de todos que se manifestaram sobre o tema, mas entende que o Conselho Universitário é soberano em sua decisão." De acordo com a instituição, o debate que antecedeu à votação "ocorreu dentro do espírito democrático que expressa o estado de direito, com ampla participação de seus integrantes, que representam docentes, estudantes e funcionários."
'Merecimento'
A filha do ex-ministro Júlia Maria Passarinho Chaves afirmou ao G1, em maio, que considerava absurda a hipótese da Unicamp admitir que houve erro na concessão ou até mesmo revogar o título. "Ele recebeu mais de dez títulos 'Doutor Honoris Causa' e foi por merecimento, porque ajudou várias universidades, reconheceu e implantou carreira e formação de vários cursos. Não consigo entender isso como um erro, acho um absurdo tirar um título", criticou. O ex-ministro de 94 anos e os cinco filhos moram em Brasília (DF), segundo a educadora. Júlia Maria não foi encontrada neste sábado (16) para comentar o assunto até a publicação desta reportagem.
Ex-ministro da Educação, Jarbas Passarinho
recebeu honraria em 1973 (Foto: Cedoc / EPTV)
Sobre o fato de Passarinho ter sido um dos 17 signatários do AI-5, quando à época ocupava o cargo de ministro do Trabalho e Previdência Social no governo Costa e Silva, Júlia resumiu que o coronel desempenhava a função. "A assinatura era absolutamente plausível de um grupo de militares, ele como coronel seguindo o seu general na defesa do País", alegou. O documento aprovado em dezembro de 1968 dava plenos poderes ao marechal Costa e Silva e, entre as medidas, permitiu o fechamento do Congresso, a intervenção do governo federal nos estados e também institucionalizou a censura prévia.
Se o tempo voltasse
Durante Entrevista à GloboNews em 2010, Jarbas Passarinho comentou se voltaria a assinar o documento. "Com as mesmas condições, eu assinaria hoje. Nas mesmas circunstâncias, eu assinaria hoje. Porque quando o AI-5 foi feito, foi uma resposta às guerrilhas. Os militares não procuravam dominar o poder, eles foram forçados pelas circunstâncias. Tive, entretanto, violentar-me [...] Eu tinha entrado em 1964 na suposição que eu estava assegurando a continuidade da democracia. Era ela que estava em perigo."
Golpe militar
A renúncia do presidente Jânio Quadros, em 1961, desencadeou uma série de fatos que culminaram em um golpe de estado em 31 de março de 1964. O sucessor, João Goulart, foi deposto pelos militares com apoio de setores da sociedade, que temiam que ele desse um golpe de esquerda, coisa que seus partidários negam até hoje. O ambiente político se radicalizou, porque Jango prometia fazer as chamadas reformas de base na "lei ou na marra", com ajuda de sindicatos e de membros das Forças Armadas. Os militares prometiam entregar logo o poder aos civis, mas o país viveu uma ditadura que durou 21 anos, terminando em 1985.
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