13/11/2013 - 05:35h
Toda escolha em direção a uma vida mais sustentável pode ser feita de duas maneiras: com naturalidade ou com (muito) esforço. É claro que as duas vertentes trazem resultados – e, de modo geral, costumam vir acompanhadas de mais bem estar – mas é sempre mais interessante quando nos apropriamos de tal forma às nossas novas opções, que segui-las não requer nenhum sacrifício.
Lembro-me de um pensamento de Mahatma Gandhi, citado no livro Simplicidade Voluntária, de Duane Elgin (Cultrix), que resume bem o que quero compartilhar aqui:
“Enquanto uma pessoa encontrar ajuda interior e conforto em alguma coisa, deve conservá-la. Se desistir dela com uma disposição de autossacrifício ou por algum severo sentimento de dever, continuará a desejá-la, e esse desejo insatisfeito poderia causar-lhe perturbação. Só renuncie a algo quando quiser uma outra situação com tanta intensidade que esse algo não exerça mais atração sobre você.”
Deu para entender? Quando estamos diante de uma vitrine de loja e ficamos babando em algo (um vestido, um sapato, um smartphone, qualquer coisa) e, em seguida, dizemos baixinho que é melhor ir embora antes que a tentação tome conta, o desejo está ali, firme e forte, mais que presente. É bem diferente de passar pela vitrine, olhar e sentir, de verdade, que aquilo não desperta vontade de posse nem desejo de compra, ou seja, simplesmente não nos perturba, não diz nada, não faz falta.
De vez em quando vou ao café do centro comer pão de queijo e tomar o único expresso da cidade, entre uma ida ao banco e aos Correios (aqui na ecovila, zona rural, não temos carteiro e é preciso checar a correspondência na caixa postal). Na mesa, como quem já não espera nada, pego uma revista e começo a folhear. Em geral, dá para “escolher” entre moda e fofocas de (pseudo) famosos. Começo, então, a observar aquelas mulheres magérrimas, aqueles rostos plastificados, aquelas roupas exageradas de quem tenta esconder o vazio interno, sem falar nos cosméticos cada vez mais malucos, nos anúncios apelativos, na vida de aparências que, para mim, já nem sustentam mais aparência alguma… Em poucos minutos, desisto da “leitura”, e ponto. Sem ficar me achando gorda, sem desprezar minhas roupas ou querer “voar para o shopping center mais próximo”. Isso acontece porque sinto bem profundamente que nada disso me faz sentido, que não me acrescenta nada nem me faz falta alguma.
E isso tudo não significa que eu não goste de me arrumar, de me sentir bem com meu corpo. Mas o fato é que não preciso de roupas novas toda semana para me sentir bem, porque meu bem estar tem mais a ver com o que acontece dentro de mim. Quem nunca sentiu que, mesmo com aquele look transado, super na moda, não estava bonito, não estava bem? A beleza – perdoem-me pelo clichê – vem de dentro, vem com um sorriso, um olhar amoroso, um gesto de afeto, uma atitude de quem sabe que a vida é mais do que carregar sacolas de compras para casa, todos os dias.
Insisto nesse tema por entender que a liberdade no mundo de hoje (tirando as formas desumanas de escravidão que, sabemos, ainda mancham nossa sociedade), essa liberdade mais plena, digamos assim, vem junto com um enorme e nada discreto grito de independência: independência da moda, da publicidade, da tevê, das grandes corporações, das estúpidas ideias que tentam penetrar nossa vida a todo instante.
Mas, cuidado. Não estou falando de lutar contra isso tudo, mas tão somente de deixar essas coisas de lado, sem se importar com elas ou deixar que elas dominem sua vida. Eu também compro roupa, assisto a uma coisa ou outra na tevê, consumo produtos de grandes empresas transnacionais (ou você acha que alguém está imune aos produtos chineses?)… A diferença está no cuidado e na forma atenta com que realizo isso tudo.
Conquistar mais liberdade com menos desejos (e menos compras) é, provavelmente, uma das formas mais concretas de vida subversiva no mundo de hoje – e, curiosamente, nem sempre é algo que está diretamente relacionado a uma prática ou crença religiosa ou espiritual. Que bom, porque isso significa que não é preciso optar pela vida monástica, pela castidade, pelos autossacrifícios ou pelo isolamento da sociedade para se atingir essa tal liberdade.
Pense nisso: a liberdade não está nas múltiplas escolhas, na ideia de que podemos (ou seria devemos?) optar pelo azul ou pelo vermelho. Quem sabe, a liberdade talvez esteja na chance de escolher não ter que escolher.
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